Engatinho por entre os teus rachos, teus cantos quebrados, tuas palavras partidas. Me enrosco nas tuas rachuras como quem procura ninho e encontra espinho. Estou entorpecido pelo acalento que escapa do teu colo, aquele que me prometia abrigo mas chegava sempre tarde demais. Ainda assim, quando me fecho, é tua insistência que me chama. Tua mão tateia no escuro do meu silêncio, como quem oferece o peito, mas engole o próprio choro. E esse carinho que vem pela metade me afoga. regurgita. Me expele. O laço de fita que adorna meu ventre está seco. Já não brilha. Foi rompido pela empunhadura firme que você carrega nas mãos. Essa força que diz: vai, cresce, sofre sozinho. Honey, baby, my love, e tudo mais, essas palavras doces demais, essas promessas em inglês que não sabem abraçar em português. Minha mãe, preciso partir. Não por querer, mas por sobrevivência. Quem sabe eu volte, quando crescer. Quem sabe, ainda assim, também não.
Nota do autor:
Escrevi esse poema com o corpo curvado. Não pelo gesto estético, mas por uma lembrança: a de que um dia fui pequeno demais para entender o que era falta. E ainda assim, ela me moldou. Esse texto não é uma acusação, nem um acerto de contas. É uma tentativa. Um gesto torto de amor.
E você?
Você já se sentiu dividida entre o amor e a fuga?
Entre o colo que falta e o espaço que sufoca?
Me conta nos comentários.
Que poema maravilhoso e tão intenso. Adoro dilemas, vivo deles e sobrevivo neles. Se pensarmos bem, na nossa vida, os momentos de maior crescimento físico e emocional (mas sobretudo emocional) foram precedidos de dilemas e decisões difíceis. Ficar ou "voar" é sempre um dilema visceral quando se fala de amor, dado e recebido. Quando eu coloco essa questão a mim próprio (aprendi à custa do erro) a resposta é sempre: "voar". Porque quando a pergunta chega é porque o corpo e a mente já estão em alerta. Está na hora de partir. Obrigado pela partilha, a sua escrita é brilhante! 👏
Ouça “ Je Vole” traduz bem esse sentimento